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Coisa do diabo

  • Eu adorava novelas. Não me entenda mal e leia algumas linhas mais antes de me julgar. Sempre achei fascinantes os cenários, roupas e, principalmente, as histórias. Queria mesmo é ser escritora de novelas e lá pelos 12 anos até ensaiei um texto. O problema é que novelas eram proibidas na minha casa. Talvez daí meu fascínio pelas obras. Minha mãe, uma sincera e simples adventista me dizia com veemência que essas produções eram “coisa do Diabo”. Sem poder assistí-las perto dos meus pais, dava umas escapulidas para a casa dos vizinhos ou tias noveleiras. O fato é que minha mãe descobriu – como sempre fazem as mães – e se tornou cada vez mais difícil manter o hábito. Depois de ir para o internato aos 18 anos, não foi possível seguir naquela fuga do real que as novelas me proporcionavam e sem o torpor do irreal era possível analisar melhor o encanto dos folhetins sobre mulheres e homens. Elas mais que eles, sempre. Não achava tão satânico assim os enredos e demorei a entender que acompanhar essas produções baixam, aos poucos, nossa guarda. De tanto ver, o que antes causava fúria passa para estranheza, tolerância, aceitação e logo, logo chega à convicção de que é mesmo algo aceitável. E olha que nem estou falando de assuntos complexos e polêmicos como homossexualidade, tão na moda. Ao ouvir uma tia brigar com o marido e depois desabafar: “Por que eu fui me casar logo, podia ter esperado arrumar meu Giannechini, né?”, passei a me preocupar mais com o efeito a médio e longo prazo desse negócio lucrativo e exportado do Brasil para o mundo. Ok, guarde a crítica novamente. Acompanho quase todos os temas e personagens abordados pelas novelas, como qualquer pessoa que lê revistas semanais sérias, já que o assunto está sempre lá ocupando duas ou mais páginas, prova de sua força. Uma notícia me saltou aos olhos outro dia ao saber que em cerca de 20 capítulos, uma personagem trairia seu marido nove vezes e sempre com garotões. Uau, que façanha! A matéria justificava o comportamento da matrona por conta da grosseria do marido, rico, aliás. Quando nos pegamos torcendo pelo que é errado, achando justificativas “válidas” para isso e admiramos o vilão por ser bem mais interessante, é de se pensar no alto poder de corrosão desses roteiros. Quando seu marido (ou esposa) chega a perder a graça diante do padrão romântico criado pelas novelas, aí sim “é coisa do Diabo”, como diria minha mãe. E não tem como fugir do óbvio. O óbvio é que os cônjuges reais – que trabalham, roncam, têm chulé, mau humor de vez em quando e nem sempre trazem rosas e bombons após o expediente – não são páreos para os galãs folhetinescos que estão sempre com a frase perfeita, a melhor das intenções e uma trilha sonora de fazer suspirar. Oras, é injusto! A vida real tem trânsito, chefe chato, amigos desleais, mas também tem beijos apaixonados, carinhos sinceros, declarações derretidas, sorrisos incontidos e uma série de pequenos e louváveis sentimentos que, durante a rotina parecem nem existir se forem comparados às histórias das novelas. Ao escutar amigas e parentes reclamarem da própria vida – que só sentem prazer ao se estatelarem em frente a televisão por mais de três horas diárias em suspiros irreais, fascinadas por tramas com elementos previsíveis e de complexidade nivelada para crianças de 12 anos – penso se é prossível ter prazer na vida, na família e mesmo na Palavra de Deus com tamanha excitação dos sentidos proporcionado pela telinha. Eu não assisto novelas. Não porque não ache atraentes seus enredos. Não assisto novelas e acho que nenhum cristão sincero deveria vê-las porque é transformar a vida num palco menor. É trair meus princípios pouco a pouco e ser injusta com os mais sinceros esforços românticos do meu marido. Não assisto novela porque acredito na minha mãezinha: isso é coisa do diabo!