Era um dia qualquer e ele um sujeito qualquer, destes que vivem nas grandes cidades quase que misturados à própria paisagem. Sempre os noto, mas desta vez, por conta da minha fase de vida, talvez, dei um pouco mais que a olhadela costumeira. Demorei-me um tanto a contemplar o andarilho com sua casa nas costas. Um arremedo de pano lhe cruzava o dorso, segurado por um malfeito nó que parecia provocar algum incômodo no pescoço. Talvez não. Acostumamos-nos com cada coisa…
Impaciente, o motorista de trás me avisou sonoramente que o sinal abrira e saí contemplando o mendigo pelo retrovisor e pensando se, de alguma forma, não deveria ser como ele. Carregar tudo o que se tem consigo o tempo todo há de ter suas vantagens. Qualquer canto é seu e nunca há nada além ou atrás. Sua vida vai junto contigo num saco e a única coisa que precisa de fato deixar é sua própria história, pois passado, bem sabemos, requer um pouco mais de espaço.
Conheço gente assim, que carrega tudo que tem o tempo todo e não se desfaz daquilo que parece deveras importante demais. São como moradores de rua que, enquanto tem toda a praça, toda a cidade pra sim, também nada possui, pois o pouco do saco é muito pra se abrir mão. Prende, acorrenta, não permite outro passo.
Talvez não seja mesmo bom ser como ele. E é claro que você, leitor, está entendendo a metáfora. O apego forte a tudo que se tem é um dos grandes entraves pra ter mais. Sem as velhas tralhas posso conseguir outras, melhores. Não o caso de desprezar quem sou, o que fiz, mas o cuidado de não ter no saco, nas mãos, nada que não possa ser facilmente descartado para ser algo melhor e mais precioso.
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