Na semana passada, postamos aqui no Mega Curioso a primeira matéria da série “Aliados do Nazismo”, na qual apresentamos um breve contexto histórico da época e revelamos que diversas companhias famosas — e que continuam em plena atividade atualmente — não só lucraram muito com acordos feitos com os nazistas, como, em diversos casos, tiveram participação direta no Holocausto.
Na matéria passada, contamos para você sobre como a subsidiária da Coca-Cola na Alemanha inventou a Fanta e tirou proveito da mão de obra escrava de prisioneiros de campos de concentração e da população civil dos territórios ocupados para produzir o refresco e fazer dinheiro. E, dando continuidade à série, hoje vamos falar sobre o envolvimento da IBM com os nazistas e sua participação na implementação da “Solução Final”.
As evidências sobre o envolvimento da IBM com os nazistas vieram à tona — e fizeram bastante rebuliço — após o lançamento do polêmico livro “IBM and the Holocaust” (ou “IBM e o Holocausto”, em tradução livre) do jornalista e filho de sobreviventes do genocídio Edwin Black, em 2001. Segundo o autor, o Holocausto teria acontecido sem a ajuda da companhia, mas não da forma nem com os números assustadores que conhecemos hoje.
Black passou três anos investigando o envolvimento da companhia com o Terceiro Reich e no livro argumenta que o Holocausto foi facilitado graças à tecnologia desenvolvida pela IBM especialmente para os nazistas, permitindo que Hitler automatizasse sua perseguição a judeus, ciganos, homossexuais e outros “inimigos” através da geração de listas de grupos de pessoas que deveriam ser enviadas aos campos de concentração.
O livro dividiu opiniões — entre historiadores, jornalistas e especialistas no Holocausto —, mas vale destacar que Black apresentou centenas de documentos e provas que apoiam suas acusações, sendo a mais forte e irrefutável delas o envolvimento direto de Thomas J. Watson, o então CEO da IBM, com os nazistas.
Outra questão importante é que, após o lançamento do título, a companhia alegou não possuir documentos da época para se defender e não ter conhecimento na época de quais eram os planos de Hitler para sua tecnologia, explicando que teria perdido controle da subsidiária alemã em 1940, depois que os nazistas a tomaram.
A tecnologia desenvolvida pela IBM e utilizada pelos nazistas estava baseada em um dispositivo criado no final do século 19 pelo engenheiro de origem germano-americana Herman Hollerith. Ele inventou um modo de armazenar dados em cartões através de uma série de perfurações que representavam diferentes tipos de informações, tais como idade, religião, educação e endereço.
Esses cartões eram introduzidos em máquinas que os organizavam e realizavam o cruzamento das informações “perfuradas” neles e, basicamente, a tecnologia permitia transformar peças de papel individuais em dados estatísticos. Hollerith trabalhava para a agência do Governo dos EUA responsável pelo recenseamento da população e fundou a companhia que mais tarde se transformaria na IBM. Seu sobrenome se tornou sinônimo das máquinas operadas pelos nazistas.
Conhecida em alemão pelo nome Endlösung der Judenfrage, a “Solução Final” nada mais era do que o plano nazista de exterminar todos os judeus e outras minorias da Alemanha e territórios ocupados durante a Segunda Guerra Mundial.
Como você sabe, Adolf Hitler subiu ao poder em 1933 e Thomas J. Watson, o então presidente da IBM, viu na Alemanha Nazista um lucrativo parceiro comercial. Assim, apenas algumas semanas após Hitler ser eleito, Watson criou uma aliança estratégica entre a companhia e o Terceiro Reich que se estendeu praticamente durante toda a guerra.
A subsidiária alemã da IBM era a Deutsche Hollerith Maschinen Gesellschaft — ou simplesmente Dehomag — e, entre 1933 e 1939, Watson viajou ao menos duas vezes por ano a Berlim para supervisionar pessoalmente as operações da companhia. Graças ao acordo, a Alemanha se tornou o principal cliente da IBM fora dos EUA, e Watson inclusive foi condecorado com a “Ordem de Mérito da Águia Alemã”, medalha criada por Hitler em reconhecimento à contribuição de cidadãos estrangeiros para o Terceiro Reich.
Logo que assumiu o governo, Hitler determinou que um meticuloso censo da população alemã fosse realizado. Contudo, naquela época — em que não existia a tecnologia de que dispomos atualmente e esse tipo de pesquisa era realizada com papel e caneta — a tarefa era bastante árdua. Foi então que os nazistas decidiram empregar as máquinas de Hollerith para automatizar o processo de recenseamento através de cartões perfurados.
Em conjunto com os nazistas, a IBM desenvolveu cartões personalizados que continham dados como religião, nacionalidade e ocupação de indivíduos, e as máquinas de Hollerith eram capazes de cruzar as informações de 25 mil cartões por hora. Assim, os nazistas catalogaram os judeus por meio de uma série de censos, registros e tabulações estatísticas cujas informações — constantemente atualizadas — eram transmitidas instantaneamente a várias agências.
Com esses dados em mãos, os nazistas organizaram e administraram a identificação inicial e a posterior expulsão de inimigos do regime, o confisco de suas propriedades, seu translado para guetos, a deportação a campos de concentração e, finalmente, seu extermínio. Em outras palavras, a IBM desenvolveu soluções tecnológicas que permitiram acelerar — e automatizar — as políticas de extermínio racial de Hitler.
As máquinas de Hollerith foram utilizadas em diversos campos de concentração — entre eles Auschwitz, Buchenwald e Dachau — para que os nazistas pudessem manter registros dos prisioneiros e monitorar o trabalho escravo. Além disso, elas permitiam que os oficiais alemães identificassem quais judeus tinham sido mortos a tiros, morrido de tanto trabalhar ou haviam sido exterminados nas câmaras de gás.
Os prisioneiros eram identificados a partir de números individuais e recebiam designações específicas baseadas em 16 categorias. Assim, o número 3 identificava homossexuais, o 8, judeus, e o 13, prisioneiros de guerra, por exemplo, e esses números muitas vezes eram tatuados nos braços dos capturados.
A guerra teve início em 1939, depois que a Alemanha invadiu a Polônia, e os EUA se uniram ao conflito em 1941. Meses antes, ainda em 1940, a IBM perdeu o controle da Dehomag e de outras subsidiárias em territórios ocupados para os nazistas, e Watson devolveu a medalha que recebeu de Hitler — fato que teria enfraquecido a aliança.
No entanto, um dos fatores-chave do Holocausto foi a tecnologia da IBM fornecida diretamente por meio de uma filial polonesa criada durante a guerra e que mantinha contato direto com a matriz em Nova York.
O mais chocante é que, segundo as investigações de Black, existem centenas de páginas de correspondências internas entre Watson e os nazistas criadas entre 1933 a 1945, e uma revisão desses documentos revelou que não existe uma única linha sequer na qual a companhia norte-americana questiona as operações alemãs, nem mesmo quando os títulos se referiam diretamente ao extermínio em massa de judeus.
Não existem dúvidas de que os nazistas realmente utilizaram os equipamentos da IBM no intuito de executar seus planos, mesmo que nenhuma máquina tenha sido vendida diretamente aos líderes do Terceiro Reich. Os dispositivos, na verdade, foram cedidos por meio de leasing, e a companhia, além de ser responsável pelo treinamento de pessoal, era a única fornecedora de peças e cartões.
Além disso, seus engenheiros eram responsáveis por projetar material personalizado e tabular informações para cada necessidade dos nazistas. A companhia constantemente atualizava os equipamentos, e mais de 1 bilhão de cartões eram fornecidos anualmente. A aliança não foi motivada pela ideologia da IBM, mas sim por seu desejo de fazer muito, muito dinheiro.
Afinal, a IBM era uma empresa focada em oferecer soluções, e sua missão era desenvolver as soluções que seus clientes desejavam, mesmo que essa fosse a Solução Final. E apesar de a companhia alegar não ter documentos da época para provar sua inocência, não faltam evidências que sugerem que ela está diretamente conectada com uma das piores atrocidades da história moderna.
Via Mega Curioso