Pelas entusiásticas descrições, é de se pensar que uma simples molécula possa mudar o rumo da humanidade.
Um hormônio comum, secretado pelo corpo humano, poderia, dizem alguns, acabar com a tristeza e erradicar a maldade. "A molécula da moral", "a molécula da confiança", "o hormônio do amor", "a conchinha química" (sabe a sensação de relaxamento ao deitar juntinho com o ser amado? Então)... nenhum outro composto químico possui tamanho prestígio como a oxitocina. O único comparativo talvez esteja na ficção: a soma, droga milagrosa descrita por Aldous Huxley em Admirável Mundo Novo, responsável por confortar qualquer ser humano ao menor sinal de insegurança ou tristeza.
A tal droga é simples de sintetizar e está disponível no mercado. Então, por que não é prescrita? Por que não lemos relatos e histórias de superação de pacientes tratados com oxitocina? Por que não resolvemos nossos problemas afetivos com uma injeção? Porque seu único uso liberado por autoridades de regulamentação (como a Anvisa, no Brasil, e a Food and Drug Administration, nos Estados Unidos) é bastante primordial: a oxitocina, antes de poder resolver todos os problemas do mundo, é a responsável por nossa chegada a ele — sua função essencial, na forma sintetizada, é estimular as contrações uterina no momento do parto. A injeção de oxitocina é a intervenção mais frequente em nascimentos por via vaginal em hospitais, ajudando a induzir o parto e a, depois disso, contrair o útero.
No entanto, por mais contraditório que isso possa parecer, a oxitocina quimicamente sintetizada (a partir da liga de aminoácidos cisteína-tirosina-isoleucina-glutamina-asparagina-cisteína-prolina-leucina-glicina-amina), quando utilizada em parturientes, acaba bloqueando o efeito do hormônio biológico, sintetizado na região cerebral da hipófise e secretada pela glândula pituitária. E isso, afirma um número cada vez mais nababesco de pesquisas, impede uma maior ligação entre mãe e filho, dificulta a amamentação e teria, inclusive, impactos psicopatológicos. Tome, como exemplo, um dos estudos mais persuasivos deste escopo: o obstetra francês Michel Odent, pesquisador dos efeitos da oxitocina no parto, analisou o período primal da vida de 4 mil bebês chineses, 56% deles nascidos por cesariana. Os recém-nascidos foram divididos em três grupos: os nascidos por parto vaginal normal, parto vaginal assistido (a fórceps) e cesariana agendada. Depois de controlar os fatores associados, Odent concluiu que o último grupo — o da cesariana — tinha o "menor risco de fatores psicopatológicos" (no caso, transtornos do espectro autista). A razão? Em praticamente todos os partos normais, administrava-se oxitocina sintética para indução.
Bebê feliz x bebê mais feliz: a cesariana x o parto humanizado
Mas isso não quer dizer que Odent, que foi introdutor do parto natural na água na bibliografia médica e é militante pelo parto humanizado (que explicaremos mais à frente), incentive partos cirúrgicos. A oxitocina é descrita por ele como "um hormônio tímido", que precisa, para ser secretado, das mesmas condições que um casal precisa para ter intimidade (o ato sexual, inclusive, causa picos de oxitocina tanto no homem quanto na mulher). Uma luz baixa é ideal, assim como silêncio ou música suave, um ambiente acolhedor e sem perturbação: é assim nos momentos a dois e assim deveria ser durante o parto. Assim, um parto ideal, no sentido de maximizar o "barato" da oxitocina, obedece ao que a obstetra australiana Sarah Buckley, de Brisbane, chama de "o design perfeito da mãe natureza":
— É mais ou menos assim: faça como sua avó.
Ou sua bisavó, no caso. Odent afima que a razão para o alto índice de cesarianas atualmente é certa insegurança por parte da mulher, que acredita não poder parir sozinha:
— Ela acha que precisa de um treinador para lhe dizer quando empurrar e como respirar, qual é a posição correta, quando ela precisa respeitar o próprio corpo e fazer o que ele manda.
As cesarianas, justamente por serem um procedimento cirúrgico, perturbam a mãe e seu primeiro momento com o recém-nascido. São algo desconhecido, para o qual a mãe muitas vezes não está preparada, embora seja necessária em muitos casos (hipertensão, descolamento prévio da placenta, infecção ativa de herpes, etc). No entanto, na opinião de obstetras que estudam os efeitos da oxitocina no parto, cesarianas agendadas, nas quais não há o uso da oxitocina sintética, são menos prejudiciais que o parto vaginal induzido.
No caso do parto natural versus cesariana, no que tange à oxitocina, é como comparar amor com mais amor ainda. Quanto mais, melhor, certo? O parto natural respeitaria, de acordo com as pesquisas, todos os picos necessários de oxitocina na mulher, e mais: ensinaria o bebê que está chegando a secretar seus próprios hormônios do amor.
Então, como faz?
Vamos ao que a obstetra Sarah chamou de "design perfeito da mãe natureza". A gravidez deve ser acompanhada com atenção, mas, uma vez decidindo entre cesariana ou parto normal, decida mesmo, é o conselho da especialista:
— A oxitocina sintética e a analgesia do parto normal atrapalham a secreção da substância biológica — diz. Logo, risque isso da lista.
A episiotomia (corte feito no períneo, região entre a vagina e o ânus, para evitar ruptura ou laceração) e demais procedimentos de rotina do parto hospitalar devem ser bem planejados com o obstetra. O parto natural e humanizado defendido tanto por Sarah quanto por Michel Odent tem poucas perturbações: a partiuriente escolhe quem estará com ela no momento do nascimento do filho com base na calma que a pessoa trará. Odent tem, como regra, proibir a presença do pai da criança no parto. Aos 84 anos, prega que uma parteira é auxílio suficiente no momento do nascimento. Uma vez ajustadas as circunstâncias, é hora dar o bebê à luz: a oxitocina, que já iniciou seu pico durante as contrações, tem um alto ainda maior depois da saída da criança.
Imediatamente depois, o importante é que a nova mãe faça aquilo que mais desejou durante todos os nove meses da gestação: segurar seu filho.
— É comprovado que, se segurado pela mãe logo depois do nascimento, o recém-nascido massageia o seio dela. Isso, com o elemento do olhar entre os dois, é o "barato" da oxitocina, também cientificamente comprovado. Auxilia na lactação e forma instantaneamente o vínculo entre os dois.
Mas também não exagere
Mesmo que o parto seja um momento da mulher — a palavra da moda para adjetivar o parto, e vem bem a calhar, é "empoderador", não vale a pena se desesperar caso algo dê errado no processo.
A doutora em neuroquímica Ana Raquel Karkow estudou o efeito causado pela separação materna de filhotes de rato nos primeiros dias de vida (o período crucial de desenvolvimento destes animais) a partir da ocitocina. Nos resultados, provou que os períodos de separação da mãe tiveram efeitos quase imediatos nos filhotes de rato, em principal no comportamento de brincadeira dos mesmos, maior indicador de sociabilidade.
No entanto, há a questão da conversão de tempo. Mãe nenhuma deve ficar assustada com o resultado de estudos como esse, uma vez que a infância e a adolescência de um rato duram menos de 20 dias e suas vidas não ultrapassam os três anos. Ana explicita que as crianças que têm perturbações ambientais e vinculares na primeira infância apresentam "vulnerabilidade para o surgimento de sintomas do Transtorno do Espectro Autista, psicoses e transtornos ansiosos e depressivos":
— Porém, as mães não devem ficar alarmadas. Isso acontece em situações como abandono, maus-tratos e falta de contato humano. O cuidado (com a criança)também não deve ser excessivo, tem que ser adequado e humanizado