O Governo Federal, o Estado do Amazonas e a Prefeitura de Manaus estão construindo três estádios para a Copa do Mundo de 2014, evento em que a cidade receberá quatro partidas, todas da primeira fase. Além deles, está sendo feito um campo de futebol reserva, no padrão Fifa, “para ser utilizado no que for necessário”, segundo o governo estadual.
O principal equipamento em construção é a Arena Amazônia, a um custo de R$ 604 milhões, para 42.374 pessoas. É ali que irão acontecer os quatro jogos da Copa.
Além dela, está-se construído um novo Estádio da Colina. O original, pertencente ao clube São Raimundo, foi demolido para dar lugar à nova arena, para 11.400 pessoas, com gramado e vestiários padrão Fifa, a ser utilizada como um COT, ou Centro Oficial de Treinamento, da cidade de Manaus. Custará R$ 21 milhões, sendo R$ 9,7 milhões de verbas federais e o restante do Estado do Amazonas.
Também está sendo erguido o Estádio do Coroado, para 5.000 pessoas, na Mini Vila Olímpica, zona leste de Manaus. Também será utilizado como COT. Vai custar R$ 15 milhões e será integralmente pago pelo contribuinte amazonense, via governo estadual. As obras tiveram início nesta semana e devem seguir até fevereiro do ano que vem.
Finalmente, está sendo construído um campo com arquibancadas para 1.300 pessoas, com gramado e drenagem padrão Fifa, para deixar de reserva, caso seja necessário. Custo: R$ 3,5 milhões, por meio de convênio com o Ministério do Esporte. A informação é da UGP, Unidade Gestora do Projeto Copa, do governo do Amazonas.
Você reparou nesse ponto? O dinheiro vem de convênio do governo estadual com o Ministério do Esporte. Ou seja, este é mais um caso de dinheiro público federal sendo colocado em estádios de futebol para a Copa não através de financiamentos do BNDES, contrariando o que afirmou em pronunciamento oficial a presidente Dilma Rousseff durante a Copa das Confederações, de que não há dinheiro federal em estádios da Copa, a não ser empréstimos do BNDES. Este é mais um caso. Porque tem outros.
Campo de treino ou estádio?
Voltando a Manaus, há que se explicar o que são esses estádios que estão sendo erguidos além da Arena Amazonas, os COTs, ou Campos Oficiais de Treinamento. Pela carta de compromissos que as cidades-sede assinaram com a Fifa para receber a Copa, elas são obrigadas a oferecer pelo menos dois campos oficiais de treinamento com algumas especificações, tais como gramado e vestiários semelhantes aos dos estádios da Copa e proximidade aos hoteis onde estarão as seleções.
Na Copa de 2006, na Alemanha, todos os COTs eram privados, de clubes ou associações, nada foi construído pelo poder público só para ser usado como campo de treino durante a Copa. No Brasil, alguns COTs serão privados, como deverá ser a Arena Grêmio, em Porto Alegre, se escolhida como COT. Já em Manaus, ou a iniciativa privada não se interessou em investir em tais estruturas, ou o poder público tomou-lhe a frente.
O Governo do Estado do Amazonas justifica seu investimento nos campos de futebol com dois argumentos. O primeiro é o de que os estádios estão sendo construídos por uma necessidade de Manaus para tonar-se sede da Copa. De acordo com a UGP, a Fifa exige que os COTs tenham, além de tribuna de imprensa, uma capacidade para receber, no mínimo, 2.000 torcedores.
Ainda que assim fosse, tal fato não explicaria o motivo de os estádios que estão sendo construídos serem para 11.400 e 5.000 pessoas. Na última sexta-feira, porém, este blog perguntou ao COL (Comitê Organizador Local da Copa-2014) quais eram as especificações dos COTs exigidos das cidades-sede. Eis a resposta:
“As orientações relativas aos Campos Oficiais de Treinamento (COTs) passadas pelo Comitê Organizador Local (COL) às sedes da Copa do Mundo da FIFA visam oferecer as melhores condições possíveis para as equipes. A qualidade do gramado, com condições semelhantes às encontradas nos estádios, o tempo de deslocamento até os hotéis oficiais, a infraestrutura de vestiários e as instalações para a imprensa estão entre os principais requisitos. A capacidade de público desejável dos COTs é de no mínimo 500 pessoas” (grifo do blog).
Manaus precisa desses estádios?
Por que, então, construir dois novos estádios em Manaus, um para 11.400 e outro para 5.000 pessoas? É aí que entra a segunda justificativa do Governo do Estado do Amazonas.
De acordo com o governador Omar Aziz, depois da Copa, todas as estruturas ficarão à disposição do futebol do Amazonas, podendo ser utilizadas nos campeonatos oficiais disputados pelos clubes do Estado.
O Campeonato Amazonense deste ano contou com dez clubes de futebol e teve média de público inferior a 500 pagantes por jogo. A final contou com menos de 3.000 torcedores.
A cidade precisa mesmo de todas as estruturas que as autoridades públicas estão construindo sob a justificativa de legado da Copa? Não, não precisa. Não se for levada em consideração a história do futebol amazonense, pontilhada por construções, reformas e abandono de suas praças esportivas, sempre à custa de dinheiro público.
Veja o exemplo da Arena Amazônia, que será utilizada na Copa. Ela está sendo construída no local onde antes existia o estádio Vivaldo Lima, ou Vivaldão.
Concluído em 1972, o estádio tinha capacidade oficial para 43 mil pessoas, mas chegou a receber 56 mil. Em 1995, passou por uma grande reforma, recebeu sistema de som importado da Bélgica, catracas eletrônicas e um sistema de irrigação e drenagem automático.
Em 2007, passou por outra reforma, novamente custeada com dinheiro público, e recebeu placar eletrônico. Além disso, o estádio tinha tido sua fiação elétrica de cobre furtada, e o sistema de refletores foi também reformado.
Depois dessa ultima reforma, a seleção brasileira nunca jogou lá. Também nunca teve lotação máxima. Os dez jogos de maior público no Vivaldão
aconteceram todos até 1999, quando 55 mil pessoas foram assistir a São Raimundo e Fluminense, pela Série C do Campeonato Brasileiro.
Então, em 2009, dois anos após a última reforma, decidiu-se que a arena teria que ser totalmente demolida para dar lugar a um novo estádio, padrão Fifa, a Arena Amazônia, integralmente bancado pelo poder público, Governo Federal e Estado do Amazonas. A empreiteira Andrade Gutierrez toca a obra. A previsão atual de custo é R$ 604 milhões, R$ 89 milhões a mais do que inicialmente.
Agora, atente para o segundo equipamento em construção, o Estádio da Colina, ou Ismael Benigno, que já existia, mas que foi, assim como o Vivaldão, demolido para que se pudesse construir um novo estádio do zero.
É o mais antigo campo profissional de futebol do Estado. Pertence ao São Raimundo e foi inaugurado em 1952, em terreno público doado ao clube pelo então governador do Amazonas, Plínio Coelho.
A partir da inauguração do Vivaldão, em 1972, o Estádio da Colina caiu em franco desuso e deterioração. Os outros clubes da cidade começaram a jogar no estádio público, o São Raimundo não conseguiu manter o equipamento viável economicamente apenas com seus próprios jogos.
A arena perdeu o alambrado, o gramado se deteriorou e parte dos refletores pararam de funcionar. No ano 2000, o Estádio da Colina passou por reforma e modernização, custeada com recursos públicos.
São colocados mil assentos nas arquibancadas cobertas, As seis cabines de rádio são reformadas. Anuncia-se a instalação de um dos melhores sistemas de iluminação do mundo, com quatro torres e 35 refletores em cada. O vestiário do São Raimundo ganha banheira de hidromassagem e dez chuveiros.
Ao longo dos últimos dez anos, o equipamento, por falta de uso, novamente se deteriora. Deteriora-se ao ponto de, segundo o governo estadual, ter que ser completamente demolido para que uma nova e moderna arena possa ser construída, para ser utilizada como campo de treino durante a Copa e ser entregue depois nova em folha ao São Raimundo.
Quase metade dos R$ 21 milhões do custo da obra foram obtidos através de emenda ao Orçamento da União e chegam aos cofres amazonenses via convênio com o Ministério do Esporte.
Dinheiro do Orçamento da União. Sendo usado em estádio de treino da Copa. Viu, presidente?
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